Cristal na Veia


Para quem sabe olhar para trás nenhuma rua é sem saída
agosto 17, 2009, 7:28 pm
Filed under: Conscientização

A vida é feita de escolhas, e Nic Sheff escolheu um caminho. Há certas portas na vida que quando se abrem e você entra, o retorno se torna complicado, bem complicado. Nic começou a se drogar aos 11 anos de idade, e hoje com 26 já passou por diversas clínicas de reabilitiação, e ainda continua a luta para se livrar do vício. Melhor do que qualquer texto, a música “Tem alguém aí?”, escrita pelo (gênio) Gabriel o Pensador, exprime em palavras diretas a dependência das drogas. Destaco um trecho:

“Eu sei que depende, mas se você depende da droga ela é a falsa rebeldia que te ajuda se
enganar – a mentira que vicia – porque parece bem melhor do que a verdade do outro dia.

Falsa fantasia é a droga, que parece mais real do que esse mundo de hipocrisia que te afoga!
A droga é só mais uma ferramenta do sistema, que te envenena e te condena.

Overdose de veneno só te deixa pequeno!
Muito álcool, muito crack, muita coca!
A vida de sufoca!

E vai batendo a onda a onda bate a onda soca!
A onda bate forte!
Apressando a morte feito um trem.

Você sabe que ele vem, mas se amarra bem no trilho, suicida!
A doença tem cura pra quem procura.
Pra quem sabe olhar pra trás nenhuma rua é sem saída.”

E é exatamente isso: Pra quem sabe olhar pra trás nenhuma rua é sem saída. E é isso que Nic Sheff mostra em seu livro, sua tentativa de olhar para trás e recomeçar, um renascimento necessário para uma vida plena, sem dependências ou falsas liberdades.
Recomendo a auto-biografia de Nic para todos que desejam conhecer as profundezas do
mundo das drogas, em um relato emocionante da batalha contra o vício.

“Pra quem sabe olhar pra trás nenhuma rua é sem saída…”

Dorly Neto


Uma visão rara e reveladora sobre a dependência
agosto 17, 2009, 7:12 pm
Filed under: Conscientização

O livro Cristal na Veia, do americano Nic Scheff, poderia ser só mais uma entre as inúmeras biografias de dependentes de drogas relatando suas lutas para deixar o vício. Poderia, mas não é. O relato vivo, de um naturalismo que chega a ser chocante, traz para dentro do imaginário das nossas próprias experiências pessoais a incômoda sensação de que aquele jovem tão loquaz, tão ativo, tão aparentemente senhor de sua vida – porém quase inexoravelmente perdido numa imensa tsunami química sem razões aparentes para ter começado -, poderia ser o filho, o neto, o irmão de qualquer um de nós.

É isso, em primeira instância, que tira o relato de Nic da vala comum das experiências individuais e eleva-o ao status de obra literária relevante. Aparentemente sem razões afetivas, financeiras nem emocionais; supostamente livre de qualquer trauma que o pudesse conduzir a um comportamento de risco, ou de desafio à sociedade, o jovem surfista, de boas notas, bonito, com pais e irmãos comprensivos, vai aos poucos se enfiando no mundo das drogas simplesmente porque… é bom.

Na condição de co-autor do blog SOBREDROGAS (www.oglobo.com.br/sobredrogas), página do jornal O GLOBO que discute a questão das drogas sob todos os seus prismas, considerei que é neste approach corajoso que reside a riqueza do livro “Cristal na Veia”. Ao não ter razões para fazer o que fez, Nic dá um nó no pensamento linear de quem se acostumou a vincular o abuso de drogas exclusivamente a traumas, fraquezas ou outros substantivos abstratos menos conhecidos. Se isso por um lado mostra o quanto as drogas talvez sejam ainda mais perigosas do que pensamos, por outro deixa claro também que o costume de rotular motivações para seu uso é uma prática que precisa ser urgentemente repensada.

Coincidentemente, lá no blog Sobredrogas, estamos publicando o diário de um brasileiro que vive neste momento seu processo de luta contra a dependência de álcool e cocaína. “Visconde”, como ele se autodenomina, relata suas passagens por clínicas de reabilitação, descreve crises de abstinência, narra os problemas de relacionamento com a família e tenta explicar – aos leitores e a si  mesmo – as razões que o levaram até essa situação. No seu caso, porém, as causas residem de fato nos estereótipos que costumamos encontrar nesse tipo de situação: abusos psicológicos, assédios sexuais, excesso de rigor familiar durante a infância, pobreza. A história de Visconde se confunde com a de muitos brasileiros das periferias. Não menos trágica, nem menos emocionante, porém até certo ponto “comum” para nós.

Já estamos acostumados a ver histórias como a de Visconde. Mas relatos como o de Nic Sheff ainda são raros, muito raros. Ele é um jovem americano da Califórnia, o estado mais rico do país mais rico do mundo. Ele tem acesso a tudo. Sua visão sobre o submundo das drogas nos EUA – principalmente o das drogas sintéticas, cuja área de influência são as classes mais abastadas, justamente aquelas de onde é mais difícil obter dados estatísticos sobre o abuso de drogas – é uma descrição rica de como operam as mentes desse universo, e de como ele será nos próximos anos. Informação valiosa para quem estuda o assunto, e relato tocante para quem quer tentar entender até onde o ser humano pode chegar – e de quão fundo ele tem capacidade de emergir.

Paulo Mussoi 
 Editor Interatividade e Blogs 
 Site O Globo


Drogas e Prevenção (ou para que(m) importa o que botamos na veia?)
agosto 17, 2009, 6:57 pm
Filed under: Conscientização

Uma verdade interessante, mas dificilmente aceita, é essa: nós, como indivíduos e como sociedade, somos os nossos preconceitos. Várias áreas do conhecimento, da filosofia hermenêutica à psicolingüística, passando pela sociologia interacional, pela antropologia cultural e pela psicanálise, todos chegaram à mesma conclusão: a forma como percebemos, compreendemos, interpretamos e atuamos no e sobre o mundo envolvem, sempre, os nossos preconceitos, seja na forma de conteúdos culturais predeterminados, de normas sociais ou mesmo de padrões e preferências pessoais, por vezes incoscientes.

Isso pode parecer esquisito, já que aprendemos desde o colégio que é mal e feio ser preconceituoso. No entanto, por mais que nós nos esforcemos, vamos sempre ser preconceituosos: sempre veremos e sentiremos o mundo a partir de uma lente toda própria, que envolve a maneira como fomos criados, as nossas tendências e vivências psíquicas e as normas sociais a que somos, a todo momento, expostos, pelo simples motivo de viver interagindo em sociedade. O problema então, não é ser ou não ser preconceituoso, mas poder refletir e escolher quais preconceitos são bons e quais não são bons: quais nós podemos e devemos manter, e quais nos trazem problemas e concepções inaceitáveis sobre o mundo e sobre os outros.

O.k.: você deve estar se perguntando: “isso não é um post sobre drogas? O que diabos isso tem que ver com drogas?” Se você está se fazendo essa pergunta, ótimo: é exatamente isso o que vai garantir que você está prestes a entender o espírito da coisa – tal como eu e os meus preconceitos a vemos, claro. Pois bem: o espírito da coisa é esse: quando o assunto é drogas e tudo o que se relaciona com ela, estamos cobertos de preconceitos sobre os quais não costumamos refletir. Parece que nos impõem uma determinada visão sobre o tema e ninguém pode discutir sobre esses preconceitos sem ser taxado de maluco ou de “drogado”. Os preconceitos que temos de discutir começam no significado mesmo da palavra drogas.

Num sentido bem amplo droga significa qualquer substância química que provoca alguma modificação no organismo – desde um calmante até um antiácido. Não por outro motivo, o equivalente norte-americano à nossa Vigilância Sanitária, que autoriza a comercialização de remédios, é a Food and Drug Administration (FDA); numa tradução livre: “administração de DROGAS e alimentos”. O.k., mas esse significado é, realmente, um pouco amplo demais para o nosso debate. Então, podemos reduzir um pouco este significado e dizer que droga é qualquer substância PSICOATIVA, isto é, qualquer substância capaz de atuar e modificar o funcionamento do nosso sistema nervoso central, especialmente do cérebro. Assim, manteríamos dentro da definição o calmante, mas retiraríamos o antiácido. Essa parece uma definição bastante satisfatória e é, de fato, amplamente utilizada na literatura médica, psicológica e farmacológica. Curiosamente, não é a mais popular no debate público sobre drogas – e sobre os nossos preconceitos sobre drogas.

Curiosamente, o significado mais utilizado para a palavra drogas, na sociedade, é o que se refere a tudo aquilo que a lei penal qualifica como substância cuja comercialização e o consumo são ilícitos (crimes). Isso fica claro, por exemplo, quando nós voltamos a atenção para o fato de que o Ministério da Saúde tem um programa nacional para o “álcool e outras drogas”. Note que embora o álcool seja claramente uma substância psicoativa – altamente “viciante”, por sinal –, o fato de que ele não é previsto na lei penal como proibido faz com que ele não seja mais percebido dentro da categoria das drogas. Falamos do álcool, mas isso vale também para os ansiolíticos/calmantes (como clonazepam (“Rivotril”) ou alprazolam (“Frontal”)), algumas anfetaminas de uso médico (como metilfenidato (“Ritalina”) ou fenoproporex (“Lipomax AP”, “Inobesin”)) ou mesmo alguns anestésicos à base de barbitúricos e opiáceos; em todos esses casos, a compreensão geral (preconceito) parece não ver, nessas substâncias, drogas, mas, talvez, remédios ou, simplesmente, bebidas (no caso do álcool).

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